PROANTAR
Na Antártica ocorre o maior fenômeno sazonal do planeta Terra, a variação da área de mar congelado, que anualmente oscila entre 1.8 e 20 milhões de km² e controla todo o sistema climático do Hemisfério Sul, principalmente o Atlântico Sul.
Na Antártica ocorre o maior fenômeno sazonal do planeta Terra, a variação da área de mar congelado, que anualmente oscila entre 1.8 e 20 milhões de km² e controla todo o sistema climático do Hemisfério Sul, principalmente o Atlântico Sul. Esse manto de gelo, que cobre 99,7% do continente antártico, com seus 13,7 milhões de km² de área, possui 25 milhões de km cúbicos de volume e está bem próximo do Brasil. É isso mesmo, daria para cobrir todo o País com uma capa homogênea de gelo com quase 3 km de espessura!
Este enorme volume, se derretesse totalmente, levaria ao aumento do nível do mar em 57 metros. Assim, qualquer modificação nessa massa de gelo, mesmo que ínfima, terá implicações importantes para nossas regiões costeiras. Além disso, esse manto é o principal sorvedouro de energia do planeta e, portanto, um dos principais controladores do sistema climático. Mas outras constatações enfatizam o papel desse gelo no sistema ambiental:
1- A maioria da água de fundo dos oceanos é formada debaixo das plataformas de gelo antártico (partes flutuantes do manto) ou sob o cinturão de mar congelado que circunda aquele continente, e portanto tem papel essencial na célula oceânica de revolvimento meridional;
2 - Variações na cobertura do gelo antártico (glacial e marinho), por exemplo, afetam a dinâmica das massas de ar polar, controlando a gênese e intensidade das frentes frias que lá se formam e chegam ao território brasileiro; e
3 - Ao longo das últimas duas décadas, drásticas mudanças foram detectadas nesse gelo: - Plataformas de gelo desintegraram-se (mais de 25.000 km² foram perdidos) e muitas geleiras aceleraram seu fluxo em direção ao mar. As investigações mais recentes mostram que o derretimento do gelo antártico já contribui para o aumento do nível médio dos mares, porém ainda pouco (cerca de 0,4 milímetro por ano).
Já o interior da Antártica é o ambiente mais limpo e inalterado da Terra e, portanto, lugar ideal para monitorar a composição química da atmosfera e detectar sinais de poluição global. Não só no presente, mas também no passado: – O manto de gelo antártico é formado pela acumulação de cristais de neve ao longo de centenas de milhares de anos, e guarda as características da atmosfera no momento de sua precipitação. Mais interessante, os cientistas ao retirarem das camadas mais profundas cilindros de gelo (os testemunhos de gelo no jargão científico) analisam também a composição das bolhas de gases ali retidas. Essa técnica gerou uma das mais importantes contribuições da ciência antártica: – A determinação da concentração de gases estufa no período anterior às medidas diretas na atmosfera (somente a partir de 1958). Os resultados mostram claramente um aumento em 40% na concentração de CO2 (dióxido de carbono) e em 150% na de CH4 (metano) desde o início da “revolução industrial”.
Figura 3 - Além das pesquisas no manto de gelo antártico (ou seja, no interior do continente), as equipes do INCT da Criosfera pesquisam o Oceano Austral, o solo congelado e a atmosfera antártica. Na foto, equipe oceanográfica do INCT, apoiada por helicóptero da Marinha do Brasil, coloca sensores para monitoramento de icebergs.
Apesar de todas essas constatações e da proximidade do Brasil (por incrível que parece nosso país é o sétimo país mais perto de 90% do volume do gelo do planeta), pouco se sabia sobre a influência da Antártica no sistema ambiental brasileiro antes da criação do Programa Antártico Brasileiro - PROANTAR em 1982 (na verdade não tínhamos no país um especialista em Glaciologia, a ciência da neve e do gelo em todas as suas formas).
Desde 1992, pela criação do primeiro grupo nacional dedicado à ciência glaciológica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), iniciou-se um programa para investigar as massas de gelo antárticas, sua variabilidade, a evolução de sua química atmosférica no passado histórico e principalmente a influência sobre a variabilidade das condições atmosféricas sul-americana. Tal ação culminou, em 2008, com a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, que desde então congrega 8 laboratórios associados dedicados ao estudo da variabilidade de diferentes componentes da massa de gelo planetária, incluindo estudos sobre o gelo marinho antártico (cujo a variabilidade sazonal é fenômeno natural terrestre conhecido com maior variabilidade espacial. O mar congelado antártico cobre 1,9 milhões de quilômetros quadrados em média em março, e salta para quase 20 milhões de quilômetros quadrados em setembro de cada ano), geleiras e o manto de gelo antártico, geleiras andinas, permafrost (o solo permanentemente congelado) e suas respostas às mudanças climáticas. O programa inclui a montagem de um laboratório nacional para análise e interpretação de testemunhos de sondagem de gelo e do centro nacional de monitoramento da criosfera, principalmente para avaliar o impacto do derretimento de parte da criosfera para o nível médio dos mares.
Este INCT permitiu a expansão das pesquisas do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) para o interior do continente antártico, culminando com a instalação no verão de 2011/2012 do módulo científico “Criosfera 1” (84°00’S, 79°30’W) para monitoramento climático e da química atmosférica em uma ação conjunta de pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), UFRGS e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Recentemente, no verão austral de 2014/2015, foi realizada a primeira travessia nacional de parte do manto de gelo antártico. Uma pequena equipe do INCT atravessou mais de 1400 km do manto de gelo da Antártica para coletar amostras superficiais de neve e levantar a rota e o local para instalação do segundo módulo nacional no interior da Antártica, o “Criosfera 2”, já no verão de 2015/2016.
Figura 1 - Uma perspectiva mais adequada do manto de gelo antártico, mostrando a proximidade real ao continente sul-americano. Os pontos coloridos identificam a posição geográfica da Estação Antártica Comandante Ferraz - EACF (62º05’S, 58º24’W - amarelo), do módulo científico Criosfera 1 (84°00’S, 79°30’W - azul) e do local onde será instalado o módulo científico Criosfera 2 (ponto verde) no verão de 2015/2016. A distância EACF–Criosfera 1 é de aproximadamente 2500 km.
O INCT da Criosfera também lidera as pesquisas oceanográficas brasileiras no Oceano Austral, realizando suas operações a bordo do Navio Polar Almirante Maximiano, da Marinha do brasil, coletando dados oceanográficos referentes a características de massas de água no estreito de Bransfield e no noroeste do mar de Weddell. De forma geral, as atividades desenvolvidas no âmbito deste contribuem para a aquisição de dados oceanográficos e glaciológicos em áreas do planeta com poucos dados observacionais, estudando a interação oceano-atmosfera no Oceano Atlântico Sul e no Oceano Austral e o impacto para a previsão de tempo e clima na região sul-sudeste do Brasil. As pesquisas oceanográficas laboratoriais e de campo são realizadas por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, INPE e Universidade de São Paulo - USP. Grupo liderado pelos pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) estuda a resposta do permafrost às variações climáticas. A equipe do INCT também investiga microrganismos que evoluíram sobre as condições extremas de temperatura e umidade do interior da Antártica (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG). Finalmente, desde 2012, monitoramos as consequências ambientais, socioeconômicas e geopolíticas decorrentes da rápida redução da área coberta por gelo marinho no Ártico, incluindo a abertura de novas rotas marítimas no extremo norte do planeta.
Navio Polar Almirante Maximiano
Texto: Glaciologista - Prof. Dr. Jefferson Cardia Simões - Coordenador-geral do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera - INCT Criosfera Sede: Centro Polar e Climático (CPC) - UFRGS.